Entenda o que pode acontecer com os 2 mil processos da juíza demitida por copiar decisões no RS
16/07/2025
(Foto: Reprodução) Juíza é demitida por copiar decisões no RS
As cerca de 2 mil decisões proferidas com textos repetidos em processos julgados pela juíza Angélica Chamon Layoun, de 39 anos, demitida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, não devem ser anuladas, afirma o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ainda que não tenham sido analisadas individualmente pela magistrada, as decisões foram revisadas por seus pares e seguem válidas, afirma o tribunal.
"Os fatos são antigos e os processos judiciais já foram revisados e saneados pelos juízes que sucederam a magistrada", afirmou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em resposta ao g1.
Angélica foi empossada em julho de 2022, mas estava afastada desde setembro de 2023, devido à apuração disciplinar. Ela foi demitida porque ainda estava em estágio probatório.
De acordo com o jurista e professor da Faculdade de Direito da UFRGS Bruno Miragem, as decisões só podem ser alteradas caso haja recurso, como em qualquer processo.
"Não parece ser o caso de anulação. As decisões foram dadas e são válidas. Podem ser modificadas pela parte interessada, que discordar dela, por intermédio de recurso no prazo previsto na legislação", afirma.
Angélica tinha uma média de quatro processos por dia durante mais de um ano (entre julho de 2022 e setembro de 2023), incluindo fins de semana e feriados. Uma produtividade "humanamente impossível", segundo o jurista.
Conforme o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que resultou na demissão, a juíza desarquivou processos e proferiu novas decisões — copiadas — para "aumentar a produtividade". Para Miragem, a prática não costuma ser feita por iniciativa do juiz e a situação é rara de acontecer.
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A defesa da juíza afirma que discorda da pena e que ajuizou um Pedido de Revisão Disciplinar no CNJ. Diz ainda que a magistrada foi designada para uma vara que estava há anos sem juiz titular, com processos acumulados e sem rotinas estruturadas.
A demissão foi assinada no dia 3 de julho pelo desembargador Alberto Delgado Neto, presidente do TJ-RS. A medida foi tomada pelo Órgão Especial do TJ-RS em fevereiro e confirmada em maio deste ano, quando o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) transitou em julgado.
"Existe uma série de deveres que estão previstos na Lei Orgânica da Magistratura. E dentre esses deveres está o dever de exatidão. O juiz tem um dever funcional de examinar os fatos do processo, as provas produzidas e decidir com base nessas provas. Isso por si só faz com que não possa haver decisões massificadas absolutamente iguais", acrescenta.
Leia a nota da defesa da juíza na íntegra
A defesa manifesta profundo respeito pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mas discorda veementemente da penalidade imposta à magistrada Angélica Chamon Layoun, por considerá-la desproporcional, juridicamente viciada e carente de prova de dolo ou má-fé, elementos indispensáveis à configuração de falta funcional gravíssima.
Esclarecemos que não cabe recurso interno no âmbito do TJRS. Por essa razão, foi ajuizado Pedido de Revisão Disciplinar no CNJ, onde se discute a proporcionalidade da sanção e vícios de instrução do processo disciplinar.
Por se tratar de processo que tramita sob sigilo, não é possível comentar o conteúdo integral dos autos ou os argumentos apresentados na petição de revisão disciplinar.
Ressalvado esse limite, cumpre esclarecer que a magistrada foi designada para uma vara cível que estava há anos sem juiz titular, com grande passivo processual e uma cultura de autogestão consolidada, sem rotinas estruturadas. Nesse cenário, buscou corrigir falhas operacionais, reordenar o fluxo processual e promover melhorias administrativas, enfrentando resistências internas que acabaram servindo de catalisador para o processo disciplinar.
Além dos desafios próprios de uma unidade desorganizada, a juíza enfrentou dificuldades adicionais decorrentes de discriminação velada, por ser oriunda de outro estado, mulher e mãe de uma criança de três anos à época, diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA).
A conciliação entre os deveres funcionais e o cuidado com uma criança com necessidades especiais representa um desafio adicional que qualquer mãe magistrada pode compreender.
Eventuais equívocos ou falhas operacionais, naturais em estágio probatório e agravados pelas dificuldades de adaptação a sistemas digitais complexos, não podem justificar o rigor da medida disciplinar aplicada.
A Corregedoria-Geral de Justiça deveria ter priorizado medidas pedagógicas e de orientação, e não punições de natureza extrema, especialmente quando não há má-fé, dano às partes ou violação da moralidade.
Este caso suscita reflexões importantes sobre como a magistratura lida com as especificidades enfrentadas por mulheres magistradas, especialmente aquelas que exercem a maternidade simultaneamente à função jurisdicional.
A situação vivenciada pela magistrada Angélica poderia ocorrer com qualquer mulher que enfrente os desafios da dupla jornada profissional e maternal no exercício da magistratura.
A atuação da magistrada foi pautada pela boa-fé, pelo compromisso com o serviço público e pela transparência funcional.
Confia-se que o CNJ saberá avaliar o caso com isenção e profundidade, garantindo o respeito ao devido processo legal, à proporcionalidade da sanção e às garantias da magistratura nacional.
NILSON DE OLIVEIRA RODRIGUES FILHO
OAB/RS 121.624
PEDRO HENRIQUE FERREIRA LEITE
OAB/PR 60.781
ADVOGADOS DA MAGISTRADA ANGÉLICA CHAMON LAYOUN
MEDINA OSÓRIO ADVOGADOS
Angélica Chamon Layoun
Reprodução/Redes sociais/LinkedIn
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